quinta-feira, 18 de abril de 2024

Paul Bowles - “À Beira da Água” / "Collected Stories"


Paul Bowles
“À Beira da Água” / "Collected Stories"
Páginas; 510
Quetzal

Paul Bowles e a sua obra literária obtiveram uma nova visibilidade após Bernardo Bertolucci ter levado ao grande écran o seu famoso livro “The Sheltering Sky”, cujo título em português é “O Céu Que Nos Protege”, enquanto a película do cineasta italiano foi “baptizada”, no nosso país, como “Um Chá no Deserto”.

Jane Bowles - (1917 - 1973)
Paul Bowles - (1910 - 1999)

A partir de então, a obra literária de Paul Bowles (recorde-se que ele também é compositor) começou a ser editada em português, primeiro na Assírio & Alvim e depois a surgirem livros na Presença e Publicações D. Quixote. Mas será a editora Quetzal a lançar-se no magnifico trabalho de editar a sua obra completa, tendo já saído “Viagens”, “A Casa da Aranha” e reunido em dois volumes a totalidade dos seus contos, que são apresentados de forma cronológica, o que nos possibilita uma melhor abordagem da evolução da Arte do Conto, no interior da escrita de Paul Bowles, tendo o primeiro volume recebido o título de “À Beira da Água”, precisamente o primeiro conto datado de 1946, recorde-se que o escritor nos deixou em 1999.

Gregory Corso, Paul Bowles eWilliam Burroughs
numa foto tirada por Allen Ginsberg, no ano de 1961.

Ao longo de “À Beira da Água” viajamos pelo globo através dos contos de Paul Bowles, cuja escrita percorre diversos continentes, situando-se a acção de um deles no dia de Natal, do qual vos deixo aqui um pequeno excerto, mas antes gostaria de vos fazer um convite para irem a uma livraria qualquer e "perderem" dez minutos do vosso precioso tempo e lerem as quatro páginas que constituem o conto "O Jardim", datado de 1964, e ao terminarem sugeria que meditassem um pouco no que acabaram de ler. Na verdade este conto, que condensa a maravilhosa Arte do conto, de que Paul Bowles foi um dos maiores expoentes, poderia ter sido escrito nos dias de hoje.

Rui Luís Lima

Paul Bowles, o compositor!

“A luz branca do amanhecer inundava o quarto quando ele abriu os olhos. Já se ouviam barulhos nas entranhas da casa: as pessoas estavam a começar a acordar. Ouviu uma janela a ser fechada com força e depois o som normal de alguém a rachar madeira com um machado. Seguiram-se ruídos mais próximos e Donald soube que, no quarto ao lado, os pais se tinham levantado. Foi então que a porta dele se abriu de rompante e a mãe entrou no quarto, de roupão de flanela castanho e grosso e com o cabelo a cair-lhe sobre as costas.
- Feliz Natal! – gritou levantando uma gigantesca meia de malha vermelha carregada de fruta e pequenos embrulhos. – Olha só o que eu encontrei pendurado ao pé da lareira!
Donald sentiu-se desiludido porque contava ser ele a ir buscar a meia.
- Trouxe-te porque a casa está mais fria do que um celeiro – explicou ela. – Deixa-te estar aí quietinho na cama até ela aquecer um bocadinho.
- E quando é que é a vez da árvore?
O ritual importante era a árvore: os presentes mais interessantes estavam amontoados debaixo dela.”

Paul Bowles
in “Os Campos Gelados”

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